sexta-feira

Puta que pariu

Atenção, este texto é um engodo. O título é mera cana de pesca pois sempre sonhei em cear trutas. Acreditem! Nada direi, nem acrescentarei à mais recatada alminha. Adivinha-se um chorilho de banalidades, ou se preferirem um assomo arrogante crivado a palavras obscenas. Se ainda está por cá fique mais um tanto. Queira saber, por exemplo, que hoje acordei com valente tesão do mijo e até imaginei ver na sanita a cona da minha vizinha. Depois, bem depois, liguei o rádio e por incrível que vos pareça tocava uma música de natal. Imediatamente, veio à minha cabeça um Senhor barbudo a mastigar cartões de crédito. Não! Não era o meu pai mas podia ser, afinal está desempregado e um part-time viria a calhar. E sim! Levantei o caralho da tampa. Foda-se! Para quê gritar? Já contabilizo quatro pontos de exclamação. Na visão canhota da literatura é uma questão fracturante e eu ainda nem tomei posição. Temos pena, não tanta se vos disser que felizmente não hei-de ler o último Miguel Sousa Tavares. Apetece-me divagar sobre economia internacional ou como esta se vê grega para estabilizar. Falar nisso, os malditos lembretes do frigorífico continuam constantemente a avisar para ser mais comedido e caseiro. Na verdade, ainda consigo ver uma qualquer lua em quarto crescente. Se porventura construírem à frente comprarei uns binóculos para espreitar retalhos de vida alheia. Meus caros, de voyeur todos temos um pouco, basta pensar na factura dos canais codificados. Que tal a verborreia? Graças a Deus nem sequer arranhei quaisquer dogmas de fé. A propósito, só vos posso garantir que a minha vaca do presépio é um mealheiro do tempo dos escudos. Pois é, daqui a uns anos, por entre perdigotos, direi:
- Aqui o avô vem da era em que as latas de ananás passavam a fronteira amarradas ao pneu suplente. E sabem que mais? Sobrevivi a um Sócrates.
Oxalá não perca algumas capacidades, pelo menos a de sonhar fique intacta. Neste momento, oiço Abba e faço-me acreditar que ser foleiro talvez compense.

terça-feira

Matriz

Com punção cunho-me
Da brida que se foi espirro-me
Desculpas superlativas arroto-me
Para além da resignação
Viva-me em flatulência
A vontade de um qualquer cérebro entubado
Assim como assim
Frito-me em azeite
Pois sou saudável e pelo menino Jesus
Voa, voa das palhinhas
Atropela-me numa rotunda
Ou quem sabe num poste de luz
Esquece prendas e palavras bonitas
Mais vale fechar-me os olhos a ler-me nos outros.

segunda-feira

Identidade XXX

Estou com fome
Moo cabeça

Estou em brasa
Cuspo setas

Estou por fora
Varro passado

Estou sem carne
Dreno lamentos

Eis-me aqui
a mijar resto de rim

Eis-me aqui
pena mancar numa quimera
mas vou chegar ao fim
nem anjo
nem puta
apenas um monte de tripas
que se fodam
que engulam
abracem com ternura
uma lápide onde não haverá nome

Por favor, chorai todo rímel e essas merdas
quero ver as flores borradas

Por favor, desafinai como caralho murcho
quero rir num último orgasmo

quarta-feira

Desabafo com a Virgem Maria

Não te sei rezar. Desculpas-me? Ninguém é perfeito e assumo fraquezas num mundo para gente que se quer forte. Sabes, sempre fui muito precoce… os lençóis que o digam. Na verdade, a minha catequese resumiu-se a uns quantos sonhos libidinosos com a senhora de meia-idade que tentava ensinar as mais variadas orações. Chamava-se Dona Joaquina. Creio que agora se chama avó Quininha e certamente usará placa dentária. Oh tempo! És tão cruel e curvas-te perante a flacidez na derme. Disparate meu, esculpida com tal condão jamais provarás essa impudência.

É provável que te rias mas passei anos e anos a questionar o Credo. Sim, de tanto abrir e fechar boca juntamente com os meus colegas de ocasião, acabei por decorá-lo quase na totalidade. Foi uma espécie de mimetismo a que minha mãe furiosamente se atirava. A tabuada “do sete” não aprendes tu, nunca hás-de dar nada na vida. – profetizava com saliva a gotejar por detrás do balcão da padaria “Regueifas de querubins”. Diga-se que nem se enganou muito, sou muito mais solitário que solidário. Retomando… Com estes lábios que Deus me deu, louvado seja, praguejava:

- … Creio em um só Senhor, Jesus Cristo,

Filho Unigénito de Deus,

nascido do Pai antes de todos os séculos;

Deus de Deus,

Luz da Luz,

Deus verdadeiro de Deus verdadeiro;

gerado, mal criado,

consubstancial ao Pai…

Pois! Ouviste bem e se pudesses corar farias inveja às cerejas. Diante de ti, ajoelho-me em penitência. Fui capaz de proferir uma infame acusação. Que se saiba não há relatos de violência na tua família e o menino sempre pareceu bem nutrido. Perdão! O quê? Estás com dúvidas? Ah…pensas que afinal quereria dizer:

- … Creio em um só Senhor,

Jesus Cristo, Filho Unigénito de Deus,

nascido do Pai antes de todos os séculos;

Deus de Deus,

Luz da Luz,

Deus verdadeiro de Deus verdadeiro;

gerado, malcriado,

consubstancial ao Pai…

Céus! Mas isso seria terrível. Nunca por nunca, então eu sei bem a educação esmerada que lhe deste. Diabo seja ventríloquo se alguma vez o homem feito Deus ou Deus feito homem (estou confuso) recorreu a um palavrão que fosse. Era possuidor de vocabulário refinado, com um poder oratório digno das mais belas parábolas. Crês em mim? Sim? Sim! De tanto ouvi-lo, aprendi a dizer não. Ao “hoje, não quero pois falta-me meia perna para depilar” já consigo contrapor “hoje, não pode ser pois acabei de ver o Bambi”.

Está frio, não? E ainda nem fiz a minha boa acção do dia. Uma vez escuteiro para sempre escuteiro. Acho que velarás melhor o jardim se te colocar ao pescoço este napron. Giro, combina até com a mármore.

terça-feira

A vida de Jesus - II

Fuga para a frente. – disse o andor para o povo. E lá foi ao pé-coxinho. Irra… que custa! Paciência, outros hão-de vir. É como tudo na vida, mal se acorda e já se está a dormir. Pois, pois, e o braço de cera que não acompanha a perna de pau? – desafia uma beata ainda acesa por não ter sido varrida a tempo. Oh adro, para que me queres assim tão puta? – brada uma das muitas pecadoras reformadas. Deixa lá que isso passa, ainda ontem puxei o sino para casamento e afinal era um enterro… – atalhou o sacristão. Meu Deus, se sois tão bom e passas por todo o lado, bem que poderias afagar-me as costas e já agora levar os bicos de papagaio para uma ilha exótica. – implorou a Dona Joaquina dona da única mercearia que vende a finados. Enfim, só falta um cão ladrar, decerto terá a sua ração no céu. Quem sabe? Eu, eu, … – lança o espelho. Toda e qualquer história de vida sem nexo reflecte-se num espelho. Dizem que dá fio condutor e ajuda a expor entranhas. Oh e como são feias… Sim! São mesmo, mesmo assim a fugir do medo, tal e qual o andor. Também andam ao pé-coxinho? – inquiriu alguém de quem já esqueci o nome. Ora, ora, espelho mas não sou bruxo se o fosse não estaria aqui, montaria negócio… De quê? – gritou um curioso metido a martelo. Bolas de sabão pois as de cristal ficam muito caras. – rematou o espelho partindo-se num instante, deixando ainda assim antever uma cruz. Carregasse o peso do mundo e certamente cuspiria mais raiva. – dissertava, em estado ébrio, o filósofo despedido pela saudade.

segunda-feira

A vida de Jesus - I

Rosário de Jesus era feia e ponto. Não obstante, essa minudência que ninguém ousava questionar, fodia até se fartar com as mãos. Leram bem, apenas e só com os dedos forrados da mais macia pele que porventura Deus criara. Na verdade, a vagina era quase equiparada a uma reserva lunar, tal se devia à completa ausência de vestígios humanos. E a boca? – perguntavam as línguas viperinas. Tudo vai do hábito e eu, desde pequena, fui ensinada a só comer rabos de peixe... – defendia prontamente sem ponta de ironia. Aliás, tudo era transparente na vida dela. Todos os dias, logo após o banho diário dado à sua mãe acamada, vestia saia plissada azul-escura e camisa invariavelmente branca. É o ritual de uma quase catequista. – sorria com todos os dentes. Não ensinava o Pai-nosso, nem Credo, mas o que fazia proporcionava momentos celestiais. Duvidam? Jesus tocou-me e fui feliz… - apenas uma das muitas opiniões de quem frequentava o número 45 da Rua dos Prazeres.

segunda-feira

Divino pénis

Deus é como um foco de presença, nem sempre se dá por ele. Terá picos de comichão? Para que fique registado, neste momento, tenho um pénis agrafado à testa e sinto-me feliz. De tal molde, nunca ouvi reclamações. Malvado, Deus está a esboçar um sorriso! Quase previsível não fora os dentes cariados.

Loiro, olhos verdes, pele de alabastro, enfim quem quiser retratar-me num soneto sinta-se à vontade. Cada Petrarca sua Laura, cada obra rima com seu criador. É a tua cruz – sempre apregoa a minha tia Tomásia; tão assertiva quanto ninfomaníaca; o sonho de qualquer sobrinho adolescente que mancha os lençóis engomados pela criada de peito farto e chupado pela dentadura do patriarca. Pormenores são detalhes e estes varrem-se para o alçapão da memória. Quem dera esquecer…

Nasci numa Segunda – Feira, em abono da verdade, dia particularmente soalheiro e a convidar preguiça. Suponho que Deus estivesse ainda a pensar no passeio dominical, nas partidas de “bisca do sete” com os seus colegas de escola e nos banhos de espuma com palitos “la reine”. Raios, estas minhas dúvidas seriam facilmente dissipadas se não adormecesse mal o meu olho esquerdo acaba de piscar ao crucifixo. Certo, certo que o relaxamento divino foi fatal. À sua imagem, ou à imagem feita pelo Homem do homem feito Deus, fez-me quase perfeito. Faltar-lhe-á algo? – Perguntar-se-ão os prezados leitores que ainda não perceberam o cerne desta verborreia. Pénis pequeno, diz-vos alguma coisa?

Haja fé e língua. Pois, pois que remédio. Ou então um sucedâneo… O meu, de tanto fornicar o ar, partiu-se e levou consigo um conselho da minha querida ama:
- A beatice e a heresia são como o amor e ódio, nunca sabemos quando se dá a transição.