terça-feira

Poesia para as aves migratórias

Viva a canja de galinha e seus derivados.

segunda-feira

Em cacos

No vaso está uma bolacha
vomitada em forma de lua

No vaso está um raios-x
com raio de pulmão fumado

No vaso está uma pagela
mortificada pela amargura

E eu?
Estou no vaso
feito barro de mim.

sexta-feira

O meu poema mais leve

Partira num sopro
o que foi uma pena.

quinta-feira

Minha dor Lusitana

Tropeçou na calçada
entre Nabia e Duberdicus
rasgou os lábios
partiu dois dentes
ficou perneta
mal de si
larguei-a num bueiro
como um rio em agonia.

quarta-feira

Talho

Ao balcão

Uns gramas de dor laminada
assim se pesa o coração

Um patê gourmet-saudade
assim se prova o desgosto

E o melhor presunto da traição
assim se salga

Por detrás

Sou talhante
um de muitos
talvez errante

Sou nervo
sangue roxo
em mim
por mim
na minha dor.

terça-feira

Antes

equação sem igual na quadrícula
orelha de cera a cumprir promessa
napron tricotado por cinco pés, quarenta e nove unhas
pus do ontem para memória futura
suspiro farto em plasticina
revolução florida pelo cano

que mil esperas vindas depois.

segunda-feira

Mescla sacrifício

De comum acordo
fez lugar para morte
essa que há-de vir
lembra
lembra-lhe todas as horas
na caveira da raposa

Meu lindo menino
agasalha o pescoço com uma corda
arranca olhos ao teu pai
por ver assim
tão perto da terra o inferno

De comum acordo
deu lugar à morte
essa que já veio
esquece
esquece-lhe todas as horas
na caveira da raposa

Meu lindo menino
és capaz
pinta a cara de angústia
e assobia
rabisca um milagre
como a cruz pesada dos dias em branco.

No Domingo

Tomei uma chávena de fé
com pão integral e manteiga amiga do colesterol

Há manhãs assim
que nem os passarinhos aguentam

Fui à missa desafinar duas vezes

Não contente
o telemóvel tocou "A Portuguesa" durante a homília.

Redenção?
Aberta a boca
trinquei o corpo do Senhor
colou, colou-se em mim uma tristeza

Teria sido um sinal
afinal a centralina do carro avariaria mais tarde.

quinta-feira

Bloco de perdas

esqueci-me
dos dedos
da boca

sou esse mundo
morto em cada neurónio

no que sonho
esqueço-me
de esquecer o amor

e choro olhos
por ontem
ondeio saudades
ainda hoje.

quarta-feira

Alguém passa

São as raposas
velhas como rugas
riem da falta de chá
mas que erva?
hipericão, sei lá

São os cornos
juram por tudo
até pelo amor
e na falta dele
fodem, sei lá

São as raposas ao pescoço
esganem
mas com juízo
os cornos?
na parede, sei lá.

segunda-feira

ELE

É um homem crente
no pai desconhecido
na mãe bipolar
no efeito diurético da palavra de Deus.

É um homem romântico
pois que sim, pois que talvez
cause estragos na próstata
todo e qualquer final feliz.

É um homem idealista
o céu foi-lhe prometido
mesmo de nuvem cheia
calça 44 mas nem se nota.

Diz e repete:
Se não fosse um homem crente
seria uma mulher
chamar-me-ia Linda
e linda carregaria um ninho de andorinhas
com a cabeça numa cesta.

quarta-feira

Tão perfeito

… o meu amor

planta árvores nos ouvidos

doa remelas ao espelho

faz ninho no umbigo

boceja peixe frito

cava mais fundo as meias

foge perneta de mim.

terça-feira

E o bastardo é

Há quem vaze olhos e de seguida os devore

Há quem busque gnomos nos gânglios linfáticos

Há quem respire ilusões avulsas

Há quem viva a tapar poros

Com pó de gente

pode a gente engravidar

num espirro de poemas gémeos

em que o amor se ri da rima com suor

Há um ponto

Há uma vírgula

Entre o finito e a pausa, nasceu o ponto e vírgula

Paz ao seu berço