quinta-feira

óculos

desfocados
no chão
na vida

são coro manhoso para escaravelhos
são pala de uma noite sem afectos

não se antevê a queda da lágrima
não rebate o filtro sujo vulgo alma

suados
no chão
na vida.

quarta-feira

Kamikaze ao lado

acabará
acaba na terra
acabou o poema
terra

terça-feira

XX

Sou fachada de veludo
choro atrás do muro

Sou pó-de-arroz nos dedos
recolho cacos pelo chão

Sou novela no fim
colo episódios à memória

Sou faca prestes a redimir
marquei encontro com um peito.

segunda-feira

harakiri

este é o punhal
este seria um poema

sexta-feira

Na horizontal

Um rapaz quer ser velho
espreme borbulha com fervor
tristeza
foi-se tragar suco da vida

Uma mulher quer ser puta
implora toques de cama quente
pureza
vai lá ficar marcada

Querem:
a piscina vazia para nela dormir?
um rapaz que se vista de puta?
os cães a ladrar no telhado?
um velho que beba a mulher?

Sonhem
entretanto
vou sorrir com todos os dentes
foder com todos os dentes

Se puder
no fim
mesmo no fim
contar-vos-ei uma história

quarta-feira

quase social

Sol rasga a fronha
em cama de papelão
pombo esburaca dente
é hora
hora de reflectir rugas pelo chafariz
com passo coxo
rato no estômago
esperam-se carros
contam-se esperanças
é hora
hora de matar o bicho
seja ele quem for
naquela passadeira
verde para peão
ambulância em fuga
sinal directo para o céu
mais uma cama vaga.

terça-feira

Procissão ao centésimo

Fuga do adro

beata varrida

simulacro no altar

andor não espera

santa vai a pé

paralelos viram nuvens

nuvens abrem passagem

para o elevador da fé.

segunda-feira

Perneta

Se amor é verniz
deixa apagar com acetona mais pura

Se amor é bolacha
deixa embeber na tigela de sonhos

Faz cócegas
Faz migalhas

Deixa rasto

Se amor fosse sem antes ter vindo
era lírica tentativa de fuga

quinta-feira

Detalhes

Os lírios murcham
na água turva

Os dentes cerram
palavras meigas

Os livros enterram
sonhos agitados

Tal e qual
Os meus dias são iguais.

As coxas abrem
janelas direitas

As sombras sentem
outras presenças

As telas reflectem
caras pisadas

E que tal?
Pois, os meus dias são banais.

Acerca do perímetro

Minha vida é

Garfo espetado
Pilha de miolos a gingar
E como-me


Minha vida é

Dentadura ouro
Fuga ao copo lágrima
E envelheço-me

Minha vida é

Mortalha gasta
Terra da cogitação seminal
E ejaculo-me

Minha vida é

π

Mentalizo-me

não saberei escrever bonito
ao ponto
o que é da alma
em cruz
sai rugoso
talvez com defeito
em verdade
julgo evidências
faço prova
sentencio
não sei escrever bonito
em boa verdade
julgo minudências
dou-me à prova
prostrado
temerei escrever bonito
pelas rusgas da saudade
envolver amor em papel celofane
assim acentuo
assim será
queira Deus ter versos para queimar
e eu possa arder em belas palavras.

quarta-feira

41

Deveria ser mais rodapé
intuir pelas solas
pensamentos

Este que vos trago já o havia pisado
Este que vos trago já o vi pisado.

terça-feira

Revisitação

Eis a mesa farta de bordado chinês

ao centro

eis o loiro anoréxico

da cabeça aos pés

entorna

chá de hipericão

há-de vomitar

um meu irmão

há-de entregar

cordeiro

e eis que lógico

cozinhado vira livro

marinado a fé.