segunda-feira

Quem me desperta?

Deitei-me comigo
não resisti
à curva desenhada pelo sonho

Acordei contigo
não resisti
à manhã

O meu nome é Pecado

Vivo de pedaços
pedaços de amor
que a minha vida tira a outras

Com tristeza profunda
cavo até ao fundo
do fundo das coisas

E o meu nome é Pecado
o teu já nem sei.

Sou

Sou paralelo mal calçado
na hora do adeus
cavo flores
colho nadas
para desenhar mais que uma tristeza

Sou gamela mal segura
no gosto do pecado
trago verdades
simplifico teoremas
para retalhar mais que um corpo

Sou isto
sou tanto menos

Sou assim
como quem se afasta

Sou vocábulo mal dirigido
na linha da palavra
acentuo ilusões
reclamo ironias
para condensar mais que uma fuga

Sou realidade mal encarada
na retina do passado
lambo pratos
penteio perucas
para emagrecer mais que um fio

Sou isso
sou tanto mais

Sou assim…
para quem se afasta.

sexta-feira

Prefácio

Na leitura do amor como na vida
há sempre uma rua farta de pressas
olhares que se desviam certeiros
uma esquina mijada por lamentos
enganos que se prendem ao coração
uma conversa desdentada sem fim

A sombra quando nasce
nasce para todos
no dia que se funde
atrás de nós

Toquei palavras escusadas
suei com elas

Senti o que sente o corpo
quando não tem mais nada
mais nada
mais nada para ler.

quinta-feira

Assim

Fiz-me num poema
diluído na madrugada
qual sonho em câmara lenta

Fiz-me num poema
com tempo impiedoso
selado pelo beijo da morfina

Fiz-me num poema
embriagado na memória
apago vidas sem rascunho

Fiz-me num poema
reflexo da calçada
exausto no afagar de esquinas

Fiz-me num poema
por acabar

Num poema

Ilustro sonhos
perco sentidos na ideia
mastigo criatividade
coloco-me em causa
mas nem sempre

Apunhalo certezas
dou primazia à ironia
estilhaço convenções
ponho-me a mim
e nem sempre

Cuspo manhãs
sou sem ter rido
vazo silêncios
copio-me a custo
quase sempre

Intuo sensações
faço vales de almas
encaixo tiranias
permito-me a isso

Sempre

rouco
desbotado
canso a palavra
apenas a palavra.