quarta-feira

Lenga seda

Tenham pó de mim
espalhem
pois se fui recado
amanhã darei nota
em rodapé
por bicho rogo-vos
tenham pó de mim.

terça-feira

Pára peito

A janela voou e pôs-se a contemplar. Pairou como se não tivesse mais amores-perfeitos para engolir. O vento soprara um desprezo tão carregado quanto a força que continha, afinal tomara suas as dores de corno relativo. Deveria saber, absoluta só a imaginação crivada nos dedos que afagam os vidros em estado bruto de perda. A janela abriu e eu vi-me a contemplar. As tripas, mais coração, mais tripas, o coração. Meu Deus, sou tão feio. Será tarde para vendar o amor? Cortina lhe seja feita a sangue.

sexta-feira

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Até ao fim, o amor é um intervalo, na solidão, feito a dois. Assim saiba esperar quem dele precisa como suporte básico de vida para sentir, boca a boca, o pulsar da saudade.
Até ao fim, hei-de foder e respirar pela acácia, pelo colibri e outras coisas tais que nem ousarei pincelar. Faltar-me-ão dedos gastos pela consumição alheia.
Até ao fim, atenderei lamentos e recordar-me-ei que de loucos e moucos todos temos uma quinta parte. Deus terá desfeito, num qualquer dia mais mal acordado, as outras.
Até ao fim, soarão trombetas e vulvas suicidas. Dos estilhaços, nem sol, nem pontos negros, apenas incertezas floreadas pelo choro.
Até ao fim, a porta continuará aberta. Entrem.









Por aqui?
Lembrem-se, até ao fim, o amor é um intervalo, na solidão, feito a dois. Assim saiba esperar quem dele precisa como suporte básico de vida para sentir, boca a boca, o pulsar da saudade. Agora, já que o paciente esvaiu-se em impaciência, desliguem as máquinas.

quarta-feira

Num terço de mim

Há um Deus
faz cócegas no pé
e rio da margem

Há um Deus
canta ao ouvido
vintém feito jukebox

Há um Deus
molde das rugas
carreiro para gotas de chuva


Tenho Deus
na unha encravada
penso
logo higiénico.

Canção quase deprimente

Peço à porta que não abra
Peço desculpa pela madrugada

E fico só
Tão só

Peço ao cigarro uma nuvem
Peço silêncio em disco riscado

E fico só
Tão só

Peço às alminhas que forniquem a minha
Peço perdão na prótese mamária

E fico só
Tão só

Onde estão os dentes outrora cariados?
Onde pára o semáforo?

Perguntas?
Mais perguntas eu peço.

segunda-feira

Holograma

Pus na garganta
Mão trémula
Cigarro cai desamparado
Nas maçãs podres
Tráfego de abelhas
Finjo não atropelar
Cabeça sem cepo
Vejo-o tal e qual
Cepo sem raiz
Finjo não reparar
Alguém ouvira:
- A genialidade resume-se a um bom assado de borrego.

sexta-feira

Canção do inferno

Vou contar-vos um pouco
Um pouco de mim
Nem sonham o quanto pequei
Para chegar aqui

Deus fora
Nada vivo

Deus fora
Dia quente no alpendre

Lábios queimados
No beijo ao leite-creme

Tudo é caramelizado

Sirva-se uma fábula

Sou alpinista
Escalo pilha de nomes

Adense-se o mistério

Sou transformista
Dêem-me lantejoulas

Há festa dos pés de barro
Em memória daqueles santos passados

Há orgias com manetas e pernetas
Pois são todos meus filhos

Sou costurado a cicatrizes
Foram partos difíceis.

quarta-feira

Caça prato

Comigo
tristeza tem sossego
junto ao corpo que pediu

Comigo
não suspira vida
por vida tão amarga

Comigo
falo em camadas
betão, ferro e um pouco de pele

Por nós
boca expulsa uma linha
tem cheiro a podre

Em nós
confunde-se desejo
feito de sombras

Venham os biombos

Assiste
deixa-me ser o teu pato bravo

Fixa
Decora-me com rodelas de laranja.

sexta-feira

Profissão de pé

Pregaram um retrato robot
Não fora Deus carteirista
Anunciaria resgate em promessas.

quarta-feira

Finito

Já tentei
Asfixiar magnólia num frasco de perfume
Só depois notei que cheirava a ciúme

Não serei como Maria
Vaso espiritual

Já tentei
Arquivar promessas no meu corpo
E por momentos vi uma mão engolida

Não serei como Maria
Torre de marfim

Já tentei
Não me tento mais.