sexta-feira

indefinida asa

viemos para aqui
sem mãos
trouxe-nos uma palmilha
tão grande quanto _____

viemos até aqui
sem pés
trouxe-nos uma palma
tão grande quanto _____

juntos

quebraremos joelhos
com a cabeça
seremos cinza
num abrir de olhos
aterraremos
em almas
assim nos queiram cortar o céu

um gomo para ti
sumo meu.

quinta-feira

arquivo

são coisas
para mais tarde mutilar
o nervo da alma

são coisas
pequenas coisas
sempre a cair
como ladrilhos soltos
pelo teu olhar

são coisas
amálgamas do destino
no atropelo às rugas

fosse meu corpo uma caixa
guardaria todas essas coisas

fosse o corpo teu frasco
inalaria saudade

não
pena não ser ocre do tempo.

quarta-feira

no dia de folga


alguém fez diligências, fez tempestades. mascarou-se de Deus e amanhã fará poesia. hoje, só hoje, resta-lhe cortar os dedos com as palavras. finalmente, será um ponto que chegou ao ponto de amar.

terça-feira

ofertada

nem ouro, nem mirra, nem coentros
quatro borbulhas se tanto
o diabo há-de esfregá-las
na cauda de um cometa
enquanto voa um bom pastor

vá que o verbo não venha
a puta ainda fica apeada
conta cinco botões pelo chão
rosa, lindos e amestrados
batem palmas aos mamilos

ai, ai, ai,
querem ver uma unha encravada?
cuspam sem temor
a mim
meus caros
ninguém engolirá

vá que o verbo não venha
ao quinto, sexto e sétimo dia
fui de retro
fui de mar
no fundo
agarrei a onda pelos cornos

a puta ainda gritou:
espere por mim

apanhe outra esquina e mais botões.

segunda-feira

aos pulos, aos pulos


era ninguém e só por ser ninguém comeu um pouco de lua. indigesta, fez-lhe arrotar manhãs avulsas. agora, diz-se arrependido. pudera. nada como um bom sapo.

sexta-feira

a trilhos


não havia mais e nem tão pouco quiseram pedir que assim contrário fosse. ergueram-se as línguas para tocar o céu. um perdeu o pé direito. outro nem soube o que lhe restara. das cócegas fez-se chuva. no caminho, findou a certeza, jaz como alga um caso de amor esgotado.

quarta-feira

Quando rebentares

Dar-te-ei um oceano
Que Deus não saiba
Nada
Pelas vagas
Abrirás caminho
Irão contigo
Até aos olhos
Do cu
Que Deus não abra
Nada

sexta-feira

"o futuro a Deus pertence"


ele trouxe, juntamente com a alma, um abat-jour. Só assim conseguiria enfeitar o que à língua lhe haviam colado. uma palavra, sem pé para andar de ouvido em boca, desmaiou mal os raios o atingiram. seria amor? ninguém testemunhou. o tempo fundira-se com a miopia. talvez um dia chegue. talvez a cura.

quinta-feira

segunda-feira

de todas as cores


o peixe entrou pela janela
sem escamas abracei
até morrer de asfixia

a lua entrou pela boca
sem quartos devorei
até morrer de asfixia

já morto
nado no céu

mariposa, para que vos quero engarrafar?

quinta-feira

Na campa


a família trouxe uns apêndices. é sempre assim quando cheira a tinto. com bocas esfomeadas, soprou-se o pó da lápide. as manchas das flores secas rapidamente desapareceram. graças aos santos, ainda há quem se preocupe com os detalhes e leia o rótulo de uma boa lixívia. a matriarca lançou o lençol de flanela. aquele padrão aos quadros lembra-lhe sempre as noites em que limpou o rabo do seu finado esposo. mesa posta. contaram-se histórias, umas mais vividas que outras. os sorrisos amparavam saudades e as côdeas de broa cumpriam seu fatal percurso até ao intestino. houve quem jurasse ter ouvido o velho Júlio: «não rezes, dás-me cabo dos ossos».

quarta-feira

A beata avulsa e o bife da vazia


chamava-se Maria. era uma beata como tantas outras e ponto. pura, simplesmente não depilava as pernas e vírgula. no dia 01 de Julho, morreu de desgosto e reticências. dizem que já nem se presta à vassoura no adro e aspas. suspeita da vaca Mercês e parêntesis. a mesma teria sido sodomizada pelo querido filho Manuel e parágrafo.
Deus rascunha com os pés e travessão. vingou-se sem pontuação pois ironia das ironias Mercês acabou atravessada numa garganta.